TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0029972-93.2012.8.19.0000
AGRAVANTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO
AGRAVADA: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
RELATOR: DES. SEBASTIÃO RUGIER BOLELLI
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
TRANSFERÊNCIA DE POLICIAIS MILITARES. ATO
ADMINISTRATICO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO.
TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA. PRESENÇA DOS
REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. PRECEDENTE DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DECISÃO MANTIDA. SÚMULA
Nº 59 DO TJERJ.
RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO NOS
TERMOS DO ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL.
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DO
RIO DE JANEIRO contra decisão prolatada no Juízo da 2ª Vara Cível da
Comarca de Campos dos Goytacazes, nos autos da ação civil pública, processo
nº 0025521-80.2012.8.19.0014, proposta pela DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
A decisão agravada está às fls. 164/165, nos seguintes termos:
“Cuida-se de Ação Civil Pública movida pela Defensoria Pública em
razão de ato praticado pelo Comando da Polícia militar que
determinou a transferência de policiais militares para outro
batalhão. Segundo o autor, a transferência é nula na medida em que
o ato administrativo carece de motivação, além de ter sido fruto de
retaliação aos policiais que participaram de manifestação pacífica
reivindicando melhores condições de trabalho e melhorias salariais.
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É a síntese do que contém a petição inicial. Decido. A questão já é de
conhecimento deste Juízo, posto que alguns dos policiais militares
transferidos já impetraram Mandado de Segurança e obtiveram êxito
na concessão da liminar, como, por exemplo, ocorreu nos autos dos
processos n.º 0025139-87.2012.8.19.0014 e 002649-
29.2012.8.19.0014. Na oportunidade, verificou-se que o ato
administrativo que determinou a transferência dos policiais não
estava devidamente motivado, vez que apenas fez alusão ao art. 12 do
R-16 (Regulamento de Movimentações do Pessoal da Polícia
Militar), sem indicar uma das hipóteses previstas no art. 4º do
referido Regulamento, sendo certo que o mencionado art. 12 do
Regulamento de Movimentações da PM estabelece que a
movimentação por necessidade do serviço visa ao atendimento do
previsto no inciso I a IX do art. 4º. Assim, como nenhum desses
incisos havia sido indicado como fundamento para justificar a
transferência dos policiais, não foi explicitada pela Administração
Pública a razão que determinou a prática do ato, o que, por
consequência, resulta no reconhecimento de que o ato administrativo
carece de motivação e, portanto, dever-se-ia restaurar a legalidade,
pelo que foi deferida a liminar para que retornassem à sua lotação de
origem. Pois bem. A situação fática retratada nestes autos é idêntica,
porquanto se trata-se do mesmo ato administrativo que, sem a devida
motivação, transferiu policiais militares. O fumus boni juris decorre
da ausência de motivação do ato e o periculum in mora é ínsito em
razão da própria nulidade que acomete o ato administrativo, o que
pode acarretar na modificação da lotação do policial, em evidente
prejuízo para a organização de sua vida. Por outro lado, não podem
ser antecipados os efeitos da tutela de mérito quanto ao pedido de
proibição de nova transferência de policiais, sem o atendimento de
critérios objetivos, claros, prévios e razoáveis para a movitenção
destes. É que os atos administrativos são presumivelmente legais e
legítimos, não podendo este Juízo presumir, antecipamente, que
novas ilegalidades serão cometidas, o que depende da análise do ato
já praticado. Falta, portanto, prova inequívoca quanto a
verossimilhança das alegações, no que se refere a este pedido. Desta
forma, e fulcrado nos argumentos acima expendidos, DEFIRO, EM
PARTE, A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA para determinar que todos
os policiais militares, lotados em Campos dos Goytacazes até o dia 5
de março de 2012, relacionados no BOL da PM nº 42, publicado na
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referida data (fls. 35/38), transferidos com base exclusivamente no
art. 12 do R-16, retornem ao seu batalhão de origem. Intimem-se o
réu para cumprir em até 48h a decisão. 2) Defiro o requerido no item
´e´ de fls. 14. Publique-se edital. 3) Cite-se. 4) Dê-se ciência ao MP.”
O recurso foi instruído com os documentos de fls. 37/259,
objetivando o indeferimento da tutela antecipada.
É o relatório.
Decido.
Como se sabe, a concessão ou não da antecipação da tutela fundase
no livre convencimento e prudente arbítrio do Magistrado, exercido em sede
de cognição sumária, só sendo passível de reforma quando teratológica, contrária
à lei ou à prova dos autos, nos termos da Súmula nº 59 deste Tribunal.
No caso em tela, a Defensoria Pública objetiva a declaração de
nulidade do ato que efetuou a transferência de policiais militares para diversos
batalhões, através de ato administrativo sem motivação, de modo a caracterizar
“punição velada” aos militares que participaram de manifestação reivindicatória.
Em situações da mesma natureza, o Superior Tribunal de Justiça
tem decidido pela concessão da tutela para a finalidade aqui posta e, assim, o
pleito recursal encontra amparo no referido precedente:
AgRg no REsp 670453 / RJ - AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL - 2004/0105745-9 – Relator Ministro CELSO
LIMONGI - SEXTA TURMA - Data do Julgamento 18/02/2010
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MILITAR.
REMOÇÃO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
TRANSFERÊNCIA DE LOCAL DE SERVIÇO. DEFERIMENTO.
MORA IMOTIVADA PARA EFETIVAÇÃO DA
MOVIMENTAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE. TEORIA DOS
MOTIVOS DETERMINANTES. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
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STF. A CÓRDÃO CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
ENUNCIADO 83, DA SÚMULA DO STJ.
1. A Administração, ao autorizar a transferência ou a remoção de
agente público, vincula-se aos termos do próprio ato, portanto,
submete-se ao controle judicial a morosidade imotivada para a
concretização da movimentação (Teoria dos Motivos Determinantes).
2. Pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato
administrativo está vinculada à existência e à veracidade dos motivos
apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente
público aos seus termos.
3. No caso, em harmonia com a jurisprudência do STJ, o acórdão
recorrido entendeu indevida a desvinculação do procedimento
administrativo ao Princípio da Razoabilidade, portanto considerou o
ato passível ao crivo do Poder Judiciário, verbis: "a
discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade,
devendo, assim, todo ato administrativo, mesmo que discricionário,
ser devidamente motivado, conforme os preceitos da Teoria dos
Motivos Determinantes, obedecendo ao Princípio da
Razoabilidade."(fls. 153).
4. Pretensão e acórdão a quo, na via especial, firmados em preceito
Jurisprudência/STJ – Acórdãos Página 1 de 2 constitucional elidem
o exame do STJ.
5. Acórdão a quo em consonância com a jurisprudência deste
Tribunal (Enunciado 83 da Súmula do STJ).
6. Agravo regimental a que se nega provimento.”
Dessa forma, evidencia-se o acerto da decisão agravada que
deferiu a antecipação da tutela, por estarem revestidas as condições excepcionais
necessárias a sustentar a medida, isto é, a prova inequívoca e a verossimilhança
das alegações da parte, aliados à evidente possibilidade de dano irreparável ou de
difícil reparação.
Quanto à norma que estabelece a prévia oitiva do representante do
Poder Público, a finalidade precípua do art. 2° da Lei 8.437/92 consiste, por
conseguinte, na possibilidade do Poder Público evitar decisões que lhe sejam
desfavoráveis e ser surpreendido por decisões liminares (que lhe exigem,
normalmente, cumprimento imediato), e não evitar lesão ou prejuízo irreparável,
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já que a citada norma prevê a oportunidade do Poder Público de se manifestar
mesmo quando não exista qualquer risco de lesão ao interesse público.
No Estado Democrático de Direito, reconhece-se de forma
inequívoca que há interesses mais valiosos até que os do Estado, os quais estão
consignados na Constituição Federal. O primeiro deles é o direito à vida (art. 5°),
certamente o mais universalmente reconhecido como sendo indeclinável.
Realmente, não se poderia sequer imaginar que algum Magistrado viesse a exigir
a prévia audiência, não apreciando imediatamente pedido liminar, quando este
disser respeito a indivíduo que não sobreviverá se, por exemplo, não for
submetido à internação hospitalar ou procedimento cirúrgico nas próximas horas.
Não há motivo para encerrar, no entanto, a lista de exceções
apenas com o direito à vida. No mesmo patamar então os direitos à liberdade
(art. 5°), à dignidade (art. 1°, III), à saúde (art. 196), ao patrimônio históricocultural
(art. 216), ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225) e os
direitos das crianças e adolescentes (que gozam de absoluta prioridade, por
disposição expressa - art. 227), entre outros.
Dessa forma, a adequada exegese do art. 2° da Lei 8.437/92,
implica reconhecer, quando da apreciação do pedido liminar (no mandado de
segurança coletivo e na ação civil pública), a necessidade de prévia audiência do
representante da pessoa jurídica de direito público, exceto naqueles casos em que
o direito ameaçado seja definido pela Constituição Federal como sendo
hierarquicamente superior à conveniência (supremacia) do Poder Público, e que,
em acréscimo, tal direito corra o risco de perecer ou de ser consideravelmente
comprometido se aguardar pela oitiva prévia.
O entendimento esposado é robustecido pela jurisprudência deste
Tribunal, assim dispõe:
0045667-92.2009.8.19.0000 (2009.002.42365) - AGRAVO DE
INSTRUMENTO - DES. HELENO RIBEIRO P NUNES -
Julgamento: 20/04/2010 - OITAVA CAMARA CIVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TEMPESTIVIDADE DO
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RECURSO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
DE MÉRITO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.
REQUISITOS. 1) Se o mandado de citação e intimação foi
juntado em 24/09/2009, e o presente agravo foi interposto em
14/10/2009, portanto, no último dia do prazo em dobro do
Município para recorrer, impõe-se a rejeição da preliminar
recursal de intempestividade agitada pelo recorrido. 2) É
admissível a antecipação da tutela de mérito, mesmo contra a
Fazenda Publica, desde que presente os seus pressupostos
(Súmula nº 60 TJ-RJ), 3) E, ainda que deferida contra Pessoa
de Direito Público, não se exige a prévia oitiva do
representante judicial desta, uma vez que a Lei nº 9.494/97, ao
elencar em seu art. 1º os dispositivos da Lei nº 8.437/92 que
devem ser observados como regra especial, não incluiu o art.
2º, aplicável para efeito de concessão de liminar. 4) Segundo o
verbete sumular nº 59 deste Tribunal, somente se reforma
decisão concessiva ou não de antecipação de tutela, se
teratológica, contrária à lei ou à evidente prova dos autos. 5)
Tem-se por caracterizada a verossilhança das alegações
autorais se as cópias dos relatórios de vistorias realizadas por
autoridade vinculada à Coordenadoria de Defesa Civil do
Município, bem como das fotos tiradas do local, demonstram
que o Bairro de Córrego D'antas é formado por morro cuja
encosta apresenta sinais de risco de deslizamento, havendo,
inclusive, notícia de deslocamento de pedras e da existência de
rachaduras nas edificações lá contruídas, situação essa que
atualmente deve ter se agravado em decorrência do aumento
dos indices pluviometricos no último verão em todo o Estado
do Rio de Janeiro, evidenciando, ainda, o risco de vida a que
estão sujeitos os moradores da referida região. 6) O direito
fundamental à vida e à segurança pública não deve se
submeter, em seu processo de concretização, a avaliações
meramente discricionárias da Administração Pública, estando
o Poder Judiciário autorizado a determinar, excepcionalmente,
nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria
Constituição, a implementação destas pelos órgãos
inadimplentes, em prol da preservação de direitos
constitucionalmente salvaguardados. 7) Sendo a tarefa a ser
desempenhada (levantamento da situação urbana no referido
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Bairro, discriminando todas as construções e moradores) de
grande complexidade, deve-se prolongar o prazo para seu
cumprimento para 180(cento e oitenta) dias a contar da
juntada do mandado de intimação da decisão que deferiu a
antecipação da tutela de mérito. 8) Além disso, considerando
também as inúmeras determinações judiciais semelhantes em
outros feitos relativamente a outras localidade do Município,
revela-se excessivo o montante da multa diária fixada
(R$5.000,00), considerando o impacto financeiro sobre o
erário, podendo até comprometer a materialização da medida
deferida, pelo que deve ser reduzida para R$200,00(Duzentos
reais). 9) A fixação de multa diária de R$1.000,00 a ser
suportada pelo Chefe do Executivo Municipal se mostra, a
princípio, desprovida de justificativa, considerando que não se
pode, a princípio, atribuir responsabilidade direta e pessoal do
governante pelos fatos narrados nos autos, pelo que deve esta
ser suprimida. 10) Recurso ao qual se dá parcial provimento.”
Por fim, as alegações de incompetência do juízo, o
reconhecimento da inadequação da via eleita e perda superveniente do objeto,
por ter sido alterado o ato administrativo, devem ser submetidas ao Juízo a quo,
sob pena de supressão de instância.
Isto posto, com amparo no art. 557, do Código de Processo Civil,
nego seguimento ao recurso.
Intimem-se.
Rio de Janeiro, 05 de maio de 2012.
DES. SEBASTIÃORUGIER BOLELLI
RELATOR
Certificado por DES. SEBASTIAO BOLELLI
A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.
Data: 05/06/2012 18:57:48
Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0029972-93.2012.8.19.0000 - Tot. Pag.: 7
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